Cortar o cabelo em Montreal, uma questão de coragem

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Você mulher, diga-me: você tem medo de quê?

Eu sou uma mulher muito corajosa, não tenho medo do escuro, não tenho medo de ficar sozinha, não tenho medo de barata (só nojinho), não tenho medo nem de dentista, mas de cabeleireiro, eu tenho MUITO MEDO!

E atire a primeira pedra a mulher que não tem!

Cabeleireiro bom pra mim, é aquele que corta cabelo há muito tempo, que já cortou o cabelo de alguém que eu conheça, que não tenha pena de cortar o cabelo e, principalmente, que corte o cabelo do jeito que eu quero! Me dá um nervoso quando eu chego lá e digo "Quero assim", levo fotinhos, o nome técnico e tudo mais, e o cidadão vira e diz: Mas assim não vai ficar bom pra vc... Tem certeza que quer fazer uma franja... Ahhh, vamos dar uma repicadinha pra dar volume... Vamos fazer umas luzes....

Eu nunca sei se o problema deles são as clientes que sempre chegam lá sem saber o que fazer ou se eles não sabem fazer o que eu quero. Na dúvida, eu me levanto e vou embora. Já fiz isso mais de uma vez. E por isso, quando eu ainda morava no Rio e estava com aquele cabelo desmilinguido pedindo pelamodeDeus um corte, eu comprava uma passagenzinha para Colatina e cortava meu cabelinho lá, com um conhecido. Mas e quando não se pode pegar um ônibuzinho para a cidade natal só para cortar o cabelo, o que fazer?

A hora de cortar o cabelo chegou para o marido bem antes, olhamos alguns lugares no centro da cidade. Na barbearia do libanês ele não teve coragem de cortar, todos lá tinham cabelos de oficiais da segunda guerra, a escolha foi um salão de umas chinesas que cortavam o cabelo por um preço bem justo. O único problema eram os exemplos que elas tinham lá, marido sempre ficava tenso com medo de sair com cara de Justin Bieber do salão. Apesar das dificuldades linguísticas, tudo dava certo no final.

Eu já tinha cortado as pontinhas, não queria arriscar um corte mais ousado com um desconhecido. Mas chega uma hora na vida de uma mulher, que cortar o cabelo é uma questão de sobrevivência (leia-se auto-estima) e os cortes milimétricos na frente do espelho com a tesourinha de unha já tinham chegado ao limite. Chegou a hora de mudar de cara e então minha primeira opção foi lá no salão das chinesas. Acontece que quando eu fui e perguntei quanto era o corte, o preço triplicou, e eu me senti um pouco discriminada. Poxa, só porque eu sou menina quer cobrar mais?! Tá certo, todo mundo sabe que o corte de mulher é mais caro, mas estava muito caro para o meu gosto... resolvi pesquisar outros lugares. Para minha tristeza, descobri que os outros lugares eram mais caros ainda! Cheguei a achar salão por 50 dólares o cabelo curto (nem queira saber quanto era para cabelos longos)!

Totalmente desorientada, fui pesquisar na internet lugares, preços e opiniões. Descobri dois brasileiros que cortam os cabelos da mulherada brasileira, mas ainda não estava convencida. Descobri também um salão aqui perto de casa que é uma Escola de Cabeleireiros e com um preço bem barato. Li algumas opiniões a respeito, fui lá conhecer o salão e me recolhi em um retiro para buscar orientação espiritual e assim enxergar mais claramente uma resposta.

Depois de uma semana de reflexões, cheguei a conclusão: bom, já que estou em Montreal, façamos como os Montrealenses. Vamos tentar! Entrega na mão de Deus, do cabeleireiro e se joga minha filha, pior que está não fica mesmo.

Cheia de coragem, fui eu lá no salão. A mocinha da recepção com uma risadinha malandra, me disse que tinha marcado com um estudante (dá pra cortar com estudante ou com os já formados com mais experiência). Eu só pensei: Ahhh safada, estão precisando de cobaias, né? Okay, tudo bem... vamos ver no que isso vai dar...

Sentei na recepção pra aguardar minha vez, ali mesmo já comecei a me dar conta da situação e então comecei a sentir calor. Mais rápido do que eu imaginava, veio uma mocinha bem novinha, com cara de uns 20 anos, cabelo de Barbie, corpinho de Olívia Palito, um salto agulha de 15 cm e disse meu nome com aquele sotacão quebecois. Que frio na espinha. Já???? Nem deu tempo de pegar as fotos de como eu queria o corte....

Me levantei um pouco trêmula e tentei esboçar um sorriso tranquilo: Você fala inglês? E ela mais sorridente ainda, para minha tristeza, disse: NÃO! Pensei: Pronto, F*@*#!

Respirei fundo, oxigenei o cérebro e repeti comigo mesma: calma, você tem a foto e treinou em Inglês e Francês o nome do seu corte, coragem, você consegue!

Dois passos e tudo o que eu tinha na cabeça era uma parede branca e nas mãos um celular que quase escorregava de tanto que eu suava. Procurava desesperadamente a foto que eu tinha colocado nele e não achava. Sentei na cadeira. Aquela cadeira mais temida que cadeira de dentista. A feliz magrelinha da cabeleira dourada colocou aquele avental no meu pescoço e começou a ajeitar o cabelo e antes que eu pudesse balbuciar qualquer coisa de como eu queria meu corte, ela já estava com a tesoura em punho.

Desespero total, o suor descia pela testa. Calma filha, calma! Eu tenho uma foto pra te mostrar de como eu quero o corte, não corta ainda, aguenta aí... ahh está aqui, ufa achei. Tá vendo, é uma franja, corte reto no comprimento, pode cortar uns 3 dedos, tira essas pontas secas... oi? O que foi? Porque você está rindo? Ahh é, você não fala inglês! (E o francês, cadê? Ficou atolado lá fora na neve).

Antes que eu pudesse pensar em levantar de lá, ou mandar uma mensagem de SOS para alguém, meu cabelo já estava separadinho em mechas, devidamente preso e a primeira parte já ia voando no chão. Santíssimo Sacramento do Altar, olha que chumaço de cabelo! É meu??? Aborta a missão, corta mais a franja não moça, deixa assim, tá bom. Quanto foi mesmo?

Um bilhão de coisas passavam pela minha cabeça: Meu Deus, como era mesmo o nome do corte em francês? E se eu usar o Google Translate do celular, vai ficar muito ridículo? E o "conversation mode"... talvez poss... mas antes que eu pudesse tentar falar ou fazer qualquer coisa, lá ia eu rodopiando na cadeira, que subia e descia até ela achar uma altura ideal para tosar meus lindos cabelinhos.

Já sentia um calor de 40 graus e as coisas pareciam só piorar. Pelos cabelos que ainda sobravam caídos sobre meus olhos, eu podia ver os outros cabeleireiros/estudantes desfilando pelo salão. A modernidade cabelística variava entre cores reluzentes e moicanos assimétricos. Acho que o mais normal era o da moça da recepção que tinha apenas 4 tons de vermelho no cabelo. De repente o secador desligou. Opa, terminou. Sobrou um pouco de cabelo, posso sentir. Qualquer coisa faço um rabo de cavalo e daqui uns dois anos eu vou pra Colatina e resolvo o problema. Maldita hora que não fui lá na dollarstore comprar uma tesoura pra fazer o serviço eu mesma. Vi tantos videos no youtube, como sou tonta, da próxima vez faço isso. Então ela colocou o secador de volta na mesinha: acho que acabou, vou sair correndo e só paro lá em casa, antes que ela ligue a máquina e faça o desenho da Flor-de-Lis na minha nuca!

Vamos fazer a franja agora?

Oi??? Como assim??? Franja??? Que franja??? Ai meus Deus, achei que ela tinha esquecido! Porque ela não esqueceu! Vou dizer pra ela que não quero mais....espera, o que é isso ali? Minha nossa, era a minha franja... mais cabelo voando??? Gente, essa mulher é o Edward Mãos de Tesoura disfarçado de inocente criancinha, só pode.... vou fechar os olhos, é melhor! Não quero nem ver a desgraça acontecendo.... mais cabelo voando?  Ai Jesus, ela está repicando a franja, como assim??? Gente que louca, tirem essa mulher daqui!!! Alguém me tire daqui!!!!

Quando eu estava quase começando a chorar, ela então disse: Voilá!

Voilá? Espera, isso eu sei o que é, acho que acabou, vou abrir o olhos! Aí que medo!

E nos 3 milésimos de segundos que me separaram dos meus pensamentos e do meu primeiro olhar para o espelho eu consegui pensar: Viu? Bem feito! Quem mandou querer ser a boazona e cortar o cabelo com a Quebeca "Tá no Canadá, faça como as Canadenses", agora aguenta...

E então abri os olhos, e o que vi no espelho foi um rosto enorme e RED! Um tomate maduro com cabelo sendo refletido no espelho. Mas pelo menos ainda tinha cabelo... e olha! A franja até que ficou igual a da foto... e o corte, vá lá, não ficou nada mal, viu...

Se gostei? Gostei sim moça, você leva jeito viu, está de parabéns. Good Job... quero dizer, você não fala inglês né? Très bien.... enfim, au revoir e merci beaucoup...

Entre mortos e feridos, salvaram-se todos. No final eu fiquei satisfeita. Foi difícil a decisão de escolher cortar o cabelo com uma local e ainda com a comunicação prejudicada, mas a experiência foi válida e principalmente: finalmente me livrei daquela cara de imigrante que caiu do pau-de-arara. E se antes me confundiam com uma local.... hahahahahahahaha... muito pretensiosa eu, né?

Enfim, estou satisfeita, mudei o visual por um preço bem legal!

E é claro que você agora está só esperando pra ver o resultado do serviço da filha caçula loira do Edward, não é? Sim, eu sei que está, e aí está a arte da pequena quebecoise:


(o capricho no photoshop é por minha conta)


Lição do dia: da próxima vez, procure um salão bilíngue e livre-se do fator surpresa.




9 comentários:

  1. Olá!
    Nossa, que aventura, hein? Eu sei que a experiência com cabelereiros que falam a sua língua pode ser difícil. Imagine com uma que não fala! Uau!
    Eu ainda tou no Brasil, mas penso muito nisso: sei que vou sofrer horrores com cabelo quando chegar aí, pois meu cabelo é crespo, aquele típico crespo brasileiro-misturado, BEM volumoso e cheio de cachinhos... Pois é... =P
    Beijos,
    Lídia.

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  2. é brabo quando a gente vai cortar o cabelo. eu tb fico assim. pensando se o cort vai ficar como quero. pq jah aconteceu de não ficar e, sabe como a pessoa fica ? com muita raiva eaí vem a mnha querida mãe e diz cabelo cresce, minha filha ! eu sei que cresce, mas parece que é difícil as pessoas fazerem as coisas direito.
    adorei o post. no final, quanto vc pagou ?? 50 dolares pra cortar é demais né ? eu pago quase 50 pila no salão e já acho caro. pq eles cobram um preço pra cortar, mais a lavagem, mais nao sei quanto pra secar teu cabelo...ai já viu.

    abraços;
    Catherine
    http://meetyoutherecanada.blogspot.com

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  3. Ai que medo! Senti tudo o que vc foi descrevendo conforme lia o post...
    Estou adiando este momento ao máximo, mas sei que um dia a hora vai chegar e não vai dar mais pra fugir... Que Deus nos proteja!!! rsrsrs

    Bjs
    Juliana
    projetosupernovaquebec.blogspot.com

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  4. Nossa ri muito aqui....rs
    Imagino o desespero em ver seus cabelos caindo no chão...rsrs
    Mas que bom que gostou... né?

    Abração
    bjos
    monique
    vamosprocanada.blogspot.com

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  5. kkkk!!! Adorei o post! mto engraçado! ahahahah!!!
    "vai lá menina, se joga" ahahaha!
    Vou voltar para ver, ou melhor, ler, suas próximas aventuras!
    Beijos
    Darlene

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  6. Oie!

    Menina, adorei seu post!

    As vezes fico pensando como vou dizer: corta só as pontinhas... Ou melhor, vou falar... corta estilo Gisele kkkk

    Taís

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  8. Obrigada pelos comentários, meninas!

    Continuem acompanhando, eu aqui não tenho escolha, só rindo mesmo das minhas situações... mas no fundo até que é bom, rir ajuda a gente a se aquecer nesse inverno.... bbbbrrrrrr

    Beijosssss

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  9. Nossa! Passei nervoso por você lendo o seu texto (rssssss)... Passei o mesmo que você, mas em relação a retoque de alisamento de cabelo. Pensei igualzinho a você "está no Canadá, faça como canadense...". Mas no meu caso, a tal cabelereira canadense fez um mega estrago na parte trás e bem no meio do comprimento (tenho cabelo comprido), do tipo que se quiser arrumar terei que assumir um channel. Fiquei frustradissima pois já faço alisamento há mais de 10 anos. Foi a primeira vez que fizeram estrago. Depois de um ano do problema fui para o Brasil refazer o retoque e tentar salvar algo. Estou tão traumatizada que desisti do corte e estou levando na tesourinha (rssssss).

    Você teve até sorte!!!!

    Parabéns pelo texto engraçado!

    Um abraço
    Priscila

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