Dor nas costas, torcicolo, câimbras nas pernas, pé inchado, eu sei, isso parece PIC (a Porcaria da Idade Chegando), mas não é... isso é uma singela viagem de Montreal para o Rio de Janeiro baldeando pelos Estados Unidos num voo da US Airways.
Só quem viveu essa maravilhosa experiência sabe que as 12 horas de busão entre Rio e Colatina dá de 10 a 0 naquele avião pau-de-arara que "puxa" a brasileirada que esta ouriçada em fazer umas comprinhas nos EUA.
Caminho de ida: lá no aeroporto do Tio Sam, brasileiros eram detectados a distância, mesmo que eles não falassem uma única palavra, mas pelo tamanho das bolsas de compras e das pelúcias da Disney que iam a tiracolo, dava pra saber que se tratava de puro Tupi-Conterrâneo. Acho até que os únicos que não falavam português naquele voo era a tripulação.
Depois dessa maravilhosa experiência de confinamento no avião da US, qual foi a primeira coisa que fiz ao chegar no aeroporto? Exatamente o que todo mundo faz, fui ao banheiro. Depois de todas as dores citadas acima, um par de olheiras e um cabelo desgrenhado, eu realmente precisava de um banheirinho sem turbulência. E foi lá, na intimidade da casinha, que a ficha caiu, foi lá que eu tive o primeiro choque de realidade.
Alguém na cabine ao lado tascou um telefone num sei de onde, e começou a falar bem alto:
- E aê beleza? Se liga, cheguei agora, tô no aeroporto, vai chegar aqui pá me pegar que horax?
(até ai tudo bem, quem nunca atendeu um telefone no banheiro, não é mesmo? Podia esperar sair, lavar a mãozinha, secar bonitinha e então fazer a ligação? Claro, podia. Mas e se a pessoa está com pressa, né mesmo? Tem um monte de coisas ainda pra resolver, o transito, coisa e tal... É por causa da minha imensa compreensão é que a pessoa não pode me condenar por imaginar ela desabotoando a calça, fazendo malabarismo pra não respingar na perna, a bolsa pendurada no pescoço e o telefone entre a orelha e o ombro, num verdadeiro contorcionismo na caixa de 25,7 cm quadrados. Certo??? Mas acontece que o telefone não estava entre a orelha e o ombro)
Piiii (o barulho do telefone)
- Poo, chegô? To saindo daqui, chego aí rapidim, me expera na saída porrrtão doix. (respondeu uma segunda voz em alto e bom tom como se estivesse ali mesmo em pessoa, compartilhando o quadradinho)
Piiii (outro piiii)
- Maix e aquela parada lá, ta resolvida.
Piiii (de novo)
- Poo, exquenta não, aconteceram unx lance ae, maix deixa que te conto pessoalmente. (ahhhh, conta, conta, agora quero saber) - ae, Sandim tá fazendo um churraxco na casa dele no findi, tu vai?
Piiiii (só faltou o câmbio, desligo)
Como eu havia me
(e o que aconteceu gente? qual foram os lances que atrapalharam a parada??? estou aqui sem saber até agora, isso não se faz... hahahahahahahaha)
Mas o choque realístico não parou por aí. Toda hora eu era surpreendida pelas gargalhadas dos que atravessavam a rua e me viam lá do outro lado esperando o sinal fechar para atravessar bonitinha na faixa. Também era um grande susto no coração toda hora que um motoqueiro naturalmente se metia no meio dos carros em plena Avenida Brasil. Isso sem falar do porteiro, que contava como fulaninho-de-tal foi assaltado porque deu a bobeira de atender o telefone na rua, mó vacilão, ae.
E quando, num intervalo da tv em plena tarde, aparece uma mulher nua sambando? Tem coisas que a gente só se dá conta quando está vendo de fora. Não que uma mulher de tapa-sexo nunca tivesse me agredido, mas é muito mais chocante quando você esquece que isso existe e de repente jogam isso na sua cara, no meio da tarde. Assim fica mais fácil entender porque tudo relacionado ao Brasil é sexual na cabeça dos estrangeiros. Essa é a imagem que o Brasil vende dele próprio. Choque de realidade, choque de realidade...
Assistir ao jornal local já era coisa desacostumada na minha cabeça. Assuntos variados que corriam entre assassinato, roubo, acidente no trânsito e tráfico de drogas (ou tudo isso junto e misturado). Durante minha estadia em Colatina, eu pude ver o jornal local noticiar o assassinato de um vizinho, que ao que tudo indica, reagiu após ter reconhecido o assaltante. Era um jovem de 36 anos, filho da minha professora primária, que estava de malas prontas para viajar no dia seguinte. Nada mais assustador. Nada mais inacreditável. Nada mais chocante.
Enquanto isso no Fantástico, o especialista em segurança ensinava como se defender dos assaltantes. Dicas quentes de como evitar usar a bolsa de marca famosa, muito visada pelos ladrões, de não colocar cadeado na mochila, porque isso indica que há algo de valioso ali, de nunca atender o telefone no meio da rua, não usar cordão, pulseira, relógio nem pasta de laptop (põe no saco de pão e reza pro assaltante já ter tomado café da manhã). Dicas de qual é a melhor maneira de sair com o carro: entrar, travar a porta, ligar o carro, engatar, sair com ele e então só depois disso tudo, colocar o cinto de segurança. Esse é o embarque seguro! Na hora de estacionar o carro, já vai juntando tudo que for levar: bolsa, celular, cd... estaciona e sai numa ação de 4 segundos. Fenomenal. Principalmente a parte de juntar as coisas antes de estacionar, ou seja, enquanto está dirigindo. E é claro que a gente não precisa se preocupar nem um pouco com a criança que pode atravessar a rua correndo atrás de uma bola bem na frente do seu carro no exato momento que você vira pra pegar a bolsa que estava escondida atrás do banco do carona, eles não falaram mas a gente sabe, no brasil não existe lei, e se acontecer de atropelar a criança, foi mera fatalidade. Culpa mesmo foi da mãe do menino, que deixou ele brincar na rua num mundo violento desse onde vivemos.
Para quem achar que eu estou exagerando, o video:
O especialista em segurança conclui: "com algumas atitudes e mudanças básicas, a gente pode levar uma vida mais segura". Se eu entendi direito, o cara está dizendo que eu preciso me adequar ao mundo violento onde eu vivo. A polícia faz o papel dela de proteger (pelo menos é o que dizem), mas eu preciso evitar ficar no portão da minha casa conversando com a minha vizinha, eu preciso ficar dentro de casa presa para não correr o risco de ser encontrada pelo ladrão que caminha livremente pela rua.
Definitivamente essa foi a coisa mais bizarra que eu já ouvi. Deixar de ter as coisas, deixar de fazer as coisas e andar em alerta o tempo todo, porque se eu não fizer isso, eu certamente serei a principal responsável sobre o que acontecer comigo. Choque de realidade, choque de realidade, choque de realidade...
Mas os dias se passaram, o mês passou e era chegada a hora de voltar. Choque de realidade, eu estava mais uma vez me despedindo da minha mãe, naquela mesma rodoviária, sem dia nem hora pra retornar.
Caminho de volta: lá estava eu outra vez chegando ao aeroporto de Montreal. Foi muito estranho atravessar aqueles corredores puxando a minha malinha, como da primeira vez, com aquele frio na barriga, deixado lá longe minha mãezinha e sem saber direito quando voltaria a vê-la e a abraçá-la. Eu caminhava em direção a saída como quem vivia um dejavú. Mas dessa vez algo estava diferente, pois eu já sabia onde aquele corredor iria dar. Eu já sabia o que me esperava a frente, eu não estava chegando no desconhecido, começando do nada, eu estava apenas voltando.
E voltando renovada, feliz de ver as árvores verdinhas, as flores coloridas, as pessoas sorridentes, a brisa fresca e o sol bem quentinho... feliz da vida com meu estoque de café, mate leão, chocolate nestle, biscoito recheado e outras cositas más... ufa, cheguei! Passei pela imigração sozinha (incluindo a dos EUA), atravessei o continente com minha malinha de comidinhas sem interceptação e cheguei na minha cidade Montreal, completamente renovada pelo verde, menos marrom, menos fria e sem neve na rua! Foi outro choque, mas sem dúvida, esse foi um choque de realidade bem mais tranquilo de se ter...
Realmente é um absurdo essa matéria do fantastico nos ensinando a lidar com a situcao bizarra que vivemos, essa onda de violencia e assaltos sem fim.
ResponderExcluirInfelizmente quem passa a vida toda aqui, eu pelo menos que vivo no RJ acabo me "acostumando" com as noticias da TV..."Fulano foi assaltado, fulano morreu num assalto, arrastão em tal lugar" essas coisas passam a fazer parte do dia-a-dia. Nada disso é estranho para quem vive nessa "guerra".
Ter o direito de ir e vir é algo que espero ha muito tempo. Infelizmente o Rio não tem jeito. Não consigo ver esperança enquanto os governadores não começarem a trabalhar de verdade e pararem de roubar o povo.
E isso, está bem longe de acontecer...
Excelente Post!
Abraços,
Monique
Deu algum erro com o comentário que eu postei, saiu cortado, rsrs...
ResponderExcluirExcelente post! Sempre converso com as pessoas tentando explicar os motivos que me levaram a tomar a decisão de ir embora e seu testemunho resume tudo!! Não é para ganhar dinheiro ou ficar rico, etc, é simplesmente viver com simplicidade sem essa tensão e revolta que sentimos todos os dias. Amo muito o meu país, mas preciso pensar no meu futuro e o dos meus filhos. Essa é a saída que escolhi, infelizmente, porque queria ter tudo isso aqui, mas não dá...
Fico feliz de saber que no futuro conseguiremos nos sentir em casa fora do Brasil.
Um abração!
Vivs